terça-feira, 28 de agosto de 2012

[Da série “Plano estratégico de Juiz de Fora”, 07]


Série de nove crônicas publicadas originalmente no jornal
Tribuna de Minas de maio a setembro de 2000,
por ocasião das comemorações dos 150 anos de Juiz de Fora.

AVENIDA DOS ANDRADAS, ANOS 1920

A pequena história

Fernando Fiorese

Há alguns anos, um velho advogado da minha terra natal, Pirapetinga, publicou a história da cidade do Rio do Peixe Branco, tradução do nome tupi do afluente do Paraíba do Sul que corta o município e lhe empresta o topônimo. Convidado para o lançamento e instado pelo próprio autor a comentar a obra, disse-lhe que, sem desconsiderar o papel do livro na preservação da história oficial, desconhecia a cidade cuja memória ali estava registrada. Não me reconhecia naquele acúmulo de nomes de personalidades, políticos e líderes vários, nem era meu o tempo dos acontecimentos relatados, nem encontrava a paisagem que habitara na infância.
Na verdade, aquelas páginas recendendo a registro civil e atas públicas careciam do vigor com que a memória e o imaginário recriam a história. Perguntei-lhe onde estavam Sudário, o andarilho, Bastiana Trinta, a mendiga, Durvalino, o carroceiro. E os leilões e bingos cantados por meu pai nas festas de Sant’Ana? E os meninos tomando banho nas enchentes do Pirapetinga ou procurando um buraco na lona do circo do palhaço Carequinha? E os bailes de debutantes, as gincanas para as obras da igreja, o batismo dos crentes na Ponte Velha? Enfim, onde estavam os personagens anônimos, os acontecimentos efêmeros, os lugares que, mesmo desfigurados pelo tempo, são referências para toda a vida?
Mesmo após repetidas leituras, o livro de Paulino de Oliveira sobre a história de Juiz de Fora enseja impressões análogas. Não me perguntem sobre Batista de Oliveira, Belfort Arantes ou Francisco Bernardino. Na Juiz de Fora que habito, as ruas não têm nome, têm sentidos. Não me perguntem quais os fundadores da Universidade ou o primeiro provedor da Santa Casa. Na Juiz de Fora que habito, importa mais Isidoro da Flauta, o bêbado Amanajós e Ipólita, “a putain do fim da infância” de Murilo Mendes. Não me perguntem sobre os grandes acontecimentos. Na Juiz de Fora que habito, diz mais o relato do professor Adilson Zappa sobre uma sessão do Cine Popular nos anos 1940.
Não que se deva deixar às traças os documentos oficiais e a vida dos homens públicos. Mas a história só tem sentido quando participa do nosso cotidiano, quando incorporada pela nossa memória, quando capaz de nos fornecer referências para o presente. Há muito os historiadores entenderam a necessidade de contrapor à história oficial o relato fortuito dos operários, dos excluídos, dos marginalizados. Trata-se da pequena história, construída por homens comuns e anônimos, iguais a todos nós que não emprestaremos nomes a ruas, praças ou viadutos.
Aos historiadores profissionais ou diletantes cumpre desvelar os múltiplos tempos de Juiz de Fora, elegendo na memória e no imaginário dos cidadãos as referências fundamentais para a habitação desta cidade. Apenas desta forma, cada habitante se sentirá comprometido com a escrita da história de Juiz de Fora, reconhecendo nas construções e paisagens o patrimônio dos seus afetos e nas ruas os sentidos da trajetória de todos e de cada um.

sábado, 25 de agosto de 2012

[Da série “Plano estratégico de Juiz de Fora”, 06]


Série de nove crônicas publicadas originalmente no jornal
Tribuna de Minas de maio a setembro de 2000,
por ocasião das comemorações dos 150 anos de Juiz de Fora.

CAPA DO LIVRO DE FOTOGRAFIAS JF ANOS 80, DE HUMBERTO NICOLINE

A cidade atrás das manchetes

Fernando Fiorese

Houve tempo em que, por detrás do majestoso epíteto de “Manchester Mineira”, se escondia o horror do trabalho nas fábricas de Juiz de Fora. Às lutas operárias devemos o aprimoramento, ainda que precário e imperfeito, das relações entre capital e trabalho, mas uma inteira cidade permanece oculta por detrás das manchetes dos jornais e dos noticiários televisivos. Uma Juiz de Fora invisível à imprensa local.
Um amigo nascido e criado no bairro da Creosotagem (e haverá ainda memória sobre o tempo e o lugar que este nome evoca?) dizia-me certa feita que a incipiente relação entre a imprensa e a cidade podia ser dimensionada pela profusão de cartazes nos tapumes e de filipetas distribuídas no Calçadão da Halfeld. Está em jogo aqui a própria função social do jornalismo, os seus princípios básicos como instrumento de reflexão (no sentido intelectual e ótico) sobre e da comunidade.
Neste sentido, cumpre a todos nós, jornalistas, leitores e telespectadores, definirmos estratégias de restabelecimento da consanguinidade entre Juiz de Fora e a imprensa local, reaprendendo a lição do velho jornalista francês: “Um incêndio no Quartier Latin interessa mais do que uma Revolução em Cuba”. Não, meu caro leitor, não se trata de propugnar por uma imprensa provinciana, tacanha, interessada tão-somente no pitoresco e no folclórico. O que se pretende é uma imprensa capaz de desvelar a polifonia de uma cidade de 500 mil habitantes, de registrar as suas misérias e as suas grandezas, de escavar os tempos e lugares ocultos sob a pátina dos discursos oficiais e oficiosos.
Houve épocas em que a imprensa local era menos afeita aos press-releases e entrevistas coletivas. A tarefa diária dos jornalistas se confundia com o perder-se na cidade para fazer de seus textos, vozes e imagens o fio de Ariadne com que os leitores podiam penetrar nos enigmas da Juiz de Fora concreta e cotidiana. E se o ritmo das redações dificultava esta tarefa, havia os cronistas locais, empenhados em inscrever no livro de registros da cidade os acontecimentos efêmeros, as personagens anônimas, os dramas mínimos, as paisagens transitórias. 
Onde os jornalistas capazes de descentralizar o noticiário para atingir as margens? Onde os cronistas que humanizam os espaços da cidade, doando sentidos, personagens e movimentos à nossa cena cotidiana? Onde os jornais impressos, radiofônicos e televisivos em que Juiz de Fora seja protagonista, e não mera figurante ou estilizado cenário? Restabelecer a relação especular dos meios de comunicação com a cidade é tarefa de todos nós, pois não podemos descurar do papel fulcral da imprensa na construção da imagem e da identidade cultural de Juiz de Fora. Sem espelhos que reflitam a cidade, sua história, seus centros, suas margens, torna-se impossível perceber que a proposição do Plano Estratégico da Prefeitura Municipal de uma cidade-educadora é apenas a reiteração do que já fomos e, apesar das políticas públicas, continuamos sendo. Esta uma de nossas muitas faces ocultas, construída por gerações de anônimos professores, embora precariamente figure nos noticiários.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

[Da série “Plano estratégico de Juiz de Fora”, 05]


Série de nove crônicas publicadas originalmente no jornal
Tribuna de Minas de maio a setembro de 2000,
por ocasião das comemorações dos 150 anos de Juiz de Fora.
CARRIÇO FILM
 
A cidade como signo

Fernando Fiorese

Em conversa recente, o poeta e amigo Edimilson de Almeida Pereira me dizia: “Não sei se amo esta cidade, sei apenas que, cada vez mais, ela me interessa como signo”. E haverá outra forma, mais vertical e delicada, de amar uma cidade? Atenção e cuidado, embora sem desconhecer a crítica. Um sentimento que se realiza na “distância amorosa” (feliz expressão de Roland Barthes) e nos vários poemas que, em Águas de contendas (vencedor do Concurso Nacional de Poesia “Helena Kolody”, 1997), Edimilson dedica à leitura afetiva da cidade. Uma poética topográfica, exemplo cabal de que, mesmo secretamente, empenham-se os artistas locais em dar a ver a Juiz de Fora dos nossos medos e alumbramentos, das nossas esperanças e ilusões perdidas.
Nas páginas de Águas de contendas, o registro de personagens e lugares, datas e paisagens, nos quais apenas o olhar do poeta pode surpreender a manifestação da cidade plural que habitamos. Ali estão o Caminho Novo e os descaminhos do Shangai, a geometria rasurada do painel de Portinari e a chama da igreja do Rosário, as imagens do centro produzida pela Neo-Carriço Films e os arrabaldes do presente e do passado. Todas as cidades, a cidade. Talvez mais do que as obras anteriores de Edimilson, Águas de contendas demonstre a eleição afetiva de Juiz de Fora como signo poético a ser decifrado, especulado, desdobrado.
Decerto tal atitude pode ser encontrada na memorialística de Pedro Nava e Rachel Jardim, na poesia de Murilo Mendes e Affonso Romano de Sant’Anna. Mas a estes foi necessária a distância física e sentimental, enquanto uma nova geração, representada não apenas por Edimilson, mas também por Iacyr Anderson Freitas e Marta Gonçalves, dentre outros, ainda insiste em habitar a Juiz de Fora concreta e presente para criar as imagens e textos que nos permitam, nos desvãos das palavras, encontrar as figuras, tempos e espaços que constituem a nossa pequena história pessoal.          
Embora poucos saibam ou reconheçam, as obras destes poetas tornou Juiz de Fora conhecida em Minas, no Brasil e no exterior como a cidade onde se produz uma poesia das mais importantes e vigorosas da atualidade. Não por acaso, embora poucos saibam ou reconheçam, a crítica especializada e o meio acadêmico cada vez mais se debruçam sobre a obra destes poetas. Pena que, dentre os que não sabem ou não reconhecem, estejam principalmente as instituições públicas e privadas locais.
Enquanto Porto Alegre, Rio de Janeiro e Curitiba criam coleções de livros que procuram tornar visíveis tais cidades, aqui desperdiçamos a imagem que, ao longo de 150 anos, silenciosa e arduamente, poetas, escritores, artistas plásticos, fotógrafos e dramaturgos construíram de e para Juiz de Fora. Tais imagens, textos e encenações são elementos fundamentais para nos reconhecermos e sermos reconhecidos. Apenas quando essas obras se tornarem um patrimônio coletivo, Juiz de Fora será capaz de traçar as estratégias que concretizem em ruas, parques, pontes e construções a cidade que imaginamos, que desejamos.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

[Da série “Plano estratégico de Juiz de Fora”, 04]


Série de nove crônicas publicadas originalmente no jornal
Tribuna de Minas de maio a setembro de 2000,
por ocasião das comemorações dos 150 anos de Juiz de Fora.

COMPANHIA TÊXTIL BERNARDO MASCARENHAS, 1888

Uma outra Minas

Fernando Fiorese

Se Minas são muitas, conforme o sintagma que se cristalizou a partir das palavras de João Guimarães Rosa, Juiz de Fora é outra Minas. Mas qual? Poucas vezes se explicita esta pergunta, conquanto seja ela fundamental para realizarmos a cidade como lugar de habitação. Indiferentes à cidade, nos envergonhamos de ser diferentes. Face às óbvias dificuldades de identificação com a Minas barroca e colonial, com a Minas do Grande Sertão, com a Minas do erre apaulistado, preferimos a não-identidade, mineiramente ocultos atrás do espelho. Enclausurados entre a Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira, não podemos o litoral e insistimos num olhar blasé em relação ao nosso horizonte.
Não se trata de amar incondicionalmente a cidade, mas de ser capaz de decifrar nas ruas e praças, nos edifícios e pontes, nas galerias e esquinas, os registros de uma outra Minas. E mesmo evitando a nossa singularidade, a nossa face, ela se afirma. Não por acaso, ao organizar a antologia sobre Minas Gerais na Coleção Brasil, terra & alma (Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1967), o poeta Carlos Drummond de Andrade não se esqueceu desta outra Minas: a Minas do Caminho Novo, assombrada por facínoras; a Minas dos piqueniques do Imperador e dos passeios de Getúlio Vargas; a Minas da União e Indústria, a primeira estrada carroçável do Brasil; a Minas dos escravos e do café; a Minas das chácaras idílicas louvadas por Manuel Bandeira; a Minas do cinema pioneiro de João Carriço; a Minas elétrica, industrial, moderna.
Quais dentre nós seremos capazes de ler na cena de Juiz de Fora a cidade na vanguarda do processo de industrialização? Onde a memória da urbs febril e fabril das primeiras décadas do século XX? Quem os atores no palco expressionista do trabalho nas fábricas e dos embates das greves operárias? Por que os cidadãos de Juiz de Fora insistem em desviar o olhar do espelho partido da modernidade, negando a face que se desfaz e se refaz à revelia do nosso esquecimento? Quando seremos capazes de afirmar a nossa singularidade? Nem barroca nem sertaneja, mas a Minas urbana, industrial, fronteira entre o mar e o interior, entre a tradição e a modernidade, entre o passado colonial e as promessas do império e da civilização.
Como nos será possível o horizonte da pós-modernidade sem que tenhamos assumido o moderno que funda e realiza esta outra Minas? Como elaborar estratégias de habitar se incapazes de ler na cena da cidade a modernidade e os paradoxos para os quais ela nos destinou? Afirmar Juiz de Fora como cidade moderna não é apenas reconhecer o tempo originário da cidade, mas principalmente capacitar os cidadãos para o enfrentamento das contradições e desafios que a sua história singular propõe. À impossibilidade de leitura da cidade – textos rasurados, imagens desfocadas, imaginário oculto, memória em ruínas – os habitantes respondem com o temor e a paralisia de quem se defronta com o Minotauro, ou então se refugiam nas margens do presente, analfabetos de si e da história.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

[Da série “Plano estratégico de Juiz de Fora”, 03]


Série de nove crônicas publicadas originalmente no jornal
Tribuna de Minas de maio a setembro de 2000,
por ocasião das comemorações dos 150 anos de Juiz de Fora.

F. BRACHER JR. (FREDERICO BRACHER JÚNIOR), RUA HALFELD

Compartilhar a cidade

Fernando Fiorese

A Profa. Dra. Maria Margarida Martins Salomão, atual Reitora da UFJF, disse-me certa vez que Juiz de Fora tem uma luz estranha. Desde então, compartilho com ela desta cidade iluminada por uma incógnita.
O poeta Iacyr Anderson Freitas contou-me da visão de um guarda na Praça Antônio Carlos, posteriormente materializada num belo poema. Desde então, compartilho com ele deste lugar e deste personagem.
O pintor Dnar Rocha, mesmo sem o saber e desconhecendo quem seja este cronista, revelou-me cores e paisagens desconhecidas de Juiz de Fora. Desde então, compartilho com ele desta cidade plástica.
No livro A idade do serrote, Murilo Mendes transforma em prosa poética os personagens e acontecimentos de sua Ítaca perdida. Desde então, compartilho com ele desta cidade cercada de mulheres e pianos por todos os lados.
Algumas das peças escritas por José Luiz Ribeiro, diretor do Grupo de Teatro Divulgação, fizeram-me enxergar o passado e o presente de Juiz de Fora com a ironia e o lirismo que caracterizam a obra do dramaturgo. Desde então, compartilho com ele dos bastidores e do proscênio desta cidade.
Desde que nos conhecemos, minha mulher desvelou-me a sua meninice entre os bondes e as personagens do bairro São Mateus. Desde então, compartilho com ela da infância idílica que não tive em Juiz de Fora.
O poeta Edimilson de Almeida Pereira descreveu-me recentemente um crepúsculo visto de dentro de um ônibus na margem esquerda do Paraibuna. Desde então, compartilho com ele desta fugidia cena urbana.
As memórias de Pedro Nava nos oferecem um inventário das misérias e das grandezas de Juiz de Fora nas primeiras décadas deste século. Desde então, compartilho com ele deste Baú de ossos.
As obras dos artistas plásticos Stheling e Gérson Guedes me mostraram ângulos inauditos da arquitetura de Juiz de Fora. Desde então, compartilho com eles das texturas e das luzes desta cidade sonhado com pincéis.
Outros tantos foram pródigos em textos e imagens. Compartilho com eles da cidade que houve e não ouve a sua própria história, empenhada que está por inteiro no processo de desconstrução e construção. Les cités vont vite – e com elas as referências que nos permitem habitá-las, descobrindo numa qualquer fachada não o fóssil do passado, mas o animal vivo do nosso imaginário. O que fora urdido por nossas próprias mãos, como espelho, torna-se labirinto, Babel de todos e de ninguém.
Não quero a cidade imobilizada como museu a céu aberto. Não quero a cidade a cultuar cadáveres e naturezas mortas. Quero a cidade das passagens que as galerias do centro concretizam. Passagens onde possa transitar entre a geometria bruta dos edifícios de estética duvidosa e as curvas transtornadas do art nouveau. Passagens para a confluência dos tempos, para estratégias de leitura de uma cidade que todos escrevemos.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

[Da série “Plano estratégico de Juiz de Fora”, 02]


Série de nove crônicas publicadas originalmente no jornal
Tribuna de Minas de maio a setembro de 2000,
por ocasião das comemorações dos 150 anos de Juiz de Fora.

DNAR ROCHA, MUSEU MARIANO PROCÓPIO, 1995
Cosmopolitismo desperdiçado

Fernando Fiorese

Dizer uma cidade é rascunhar a partitura de uma polifonia. São muitas línguas, sotaques vários, entonações dissonantes, dialetos cruzados. Uma cidade se diz no local e no estrangeiro, porque aspira e se realiza como tal apenas no ser cosmopolita. Depois de 27 anos nesta cidade, ainda não encontro resposta para a indagação que certa vez me dirigiu um poeta, artista plástico e jornalista local, hoje radicado em Belo Horizonte: “Por que Juiz de Fora não se tornou cosmopolita?”
Apenas consigo acrescentar a esta uma outra pergunta: “Por que, mal aqui desembarcam, os ‘estrangeiros’ se tornam juizforanos?” E ainda que não nos seja possível definir objetivamente esse ser-juizforano, ao menos um traço ressalta e contamina todos. Trata-se de um olhar excessivamente crítico sobre a cidade – não diria desprezo, mas uma indiferença, um certo pas mal esnobe em relação ao clima, à topografia, à cultura, às questões locais. Para esse enigmático ser-juizforano, a cidade é mera passagem, lugar de trânsito e de eternos trânsfugas. Por isso, raros são os estrangeiros que acrescentam à cor local as tonalidades de suas cidades e países.
Como professor da UFJF já tive alunos de São Paulo e do Pará, do Espírito Santo e do Triângulo Mineiro, de Angola e de Moçambique, do Japão e do Peru. Onde as línguas, sotaques, entonações, dialetos, as cores e a cultura desses estrangeiros? Parece que a hospitalidade do ser-juizforano não ultrapassa o nível da acolhida física. E assim os estrangeiros logo se tornam locais, assumindo os nossos defeitos e qualidades. Seja pela ausência de meios adequados ou pela contaminação do ser-juizforano, tais estrangeiros são compelidos a também habitar a cidade como um lugar de passagem, onde apenas por esquecimento se deixa algo: um botão, um bilhete, um disco, uma lembrança rasurada.
A construção de uma identidade histórica e afetiva de Juiz de Fora deve privilegiar estratégias de afirmação do cosmopolitismo, resgatando as origens polifônicas da cidade (negros, alemães, sírios, italianos, portugueses, libaneses etc.) e criando espaços para a incorporação de manifestações multiculturais. A continuar o desperdício deste cosmopolitismo latente, Juiz de Fora corre o risco não apenas de perseverar na lógica caolha do provincianismo, mas de declinar do papel de pólo regional, de cidade educadora, de paradigma da Zona da Mata.
Trata-se, antes de tudo, de forjar uma identidade, uma imagem de Juiz de Fora, na qual os seus habitantes possam ler o que a cidade produz, contém e incorpora. Desta forma, a mentalidade do ser-juizforano se fará disponível para acolher todas as dimensões do outro, para acrescentar-se das mínimas diferenças do estrangeiro. Seria desnecessário dizer que a urdidura desta imagem identitária de Juiz de Fora deve passar necessariamente pela cultura e pela arte, pela divulgação ampla e sistemática das representações musicais, literárias, plásticas e teatrais que se fez e se faz da cidade. De modo que, tanto para os seus habitantes quanto para os estrangeiros, Juiz de Fora se torne uma cidade visível.

domingo, 5 de agosto de 2012

[Da série “Plano estratégico de Juiz de Fora”, 01]


Série de nove crônicas publicadas originalmente no jornal
Tribuna de Minas de maio a setembro de 2000,
por ocasião das comemorações dos 150 anos de Juiz de Fora.

AVENIDA BARÃO DO RIO BRANCO, ANOS 1920

O lugar do imaginário

Fernando Fiorese

As metáforas arqueológicas são as que melhor dizem da relação do homem com as cidades. Habitar uma cidade é escavar as camadas de tempos e espaços, acumuladas e justapostas pelo trabalho de gerações. Labirinto ou Babel, a cena da cidade é menos a matéria concreta de ruas, construções e alguns poucos resíduos naturais do que as imagens e textos registrados na memória e no imaginário dos seus cidadãos.
Mesmo sem a viagem física, ao leitor contumaz é possível dizer da Berlim de Theodor Fontane e Walter Benjamin, da Paris de Charles Baudelaire e Victor Hugo, do Rio de Janeiro  de Machado de Assis e João do Rio, da São Paulo de Oswald e Mário de Andrade. Mas será possível, a nós, habitantes desta cidade, dizer da Juiz de Fora de Pedro Nava, de Murilo Mendes, de Rachel Jardim e tantos outros?
A ênfase excessiva nos aspectos materiais da cidade muitas vezes oblitera a nossa capacidade de pensá-la pelo viés da memória e do imaginário de seus habitantes. Mesmo porque, ao contrário do que acontece em Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte e Rio de Janeiro (apenas para citar as mais óbvias), as instituições públicas e privadas de Juiz de Fora muito pouco têm-se empenhado na construção de uma identidade histórica e afetiva da cidade.
Enganam-se os que pensam habitar apenas uma cidade física. Como um duplo, a Juiz de Fora da nossa memória nos habita, assombra a matéria do presente. Mesmo desfigurados ou extintos, os lugares e os acontecimentos pretéritos nos assaltam. A paisagem interditada por algum edifício nos espreita quando dobramos uma qualquer esquina. O tempo morto retorna diante do último resíduo arquitetônico do Cine Paraíso.
Habitar uma cidade é aprender a escavar as camadas de tempo e espaço que nos conformam enquanto cidadãos. Onde a Juiz de Fora de Murilo Mendes, cercada de pianos por todos os lados? Onde a Rua Halfeld como um rio de Pedro Nava? Onde as “Imagens de Juiz de Fora” cantadas por Manuel Bandeira? Onde os personagens anônimos de 150 anos de história? Infelizmente enclausurados em livros, álbuns de família, papéis devastados pelo tempo e algumas poucas memórias privilegiadas.
Não se trata de nostalgia nem de anacronismo. Para construir a cidade de todos e de cada um, urge tornar coletivos a memória e o imaginário de Juiz de Fora. Planejar uma cidade para o século XXI implica antes construí-la em nosso imaginário, uma obra antes afetiva do que material. E decerto, possibilitar o acesso dos cidadãos aos textos e imagens que registram o passado e o presente de Juiz de Fora é permitir que possamos encontrar a nossa identidade, mesmo que precária.
No plano das mentalidades, urge um plano estratégico que resulte em investimentos na construção de uma identidade afetiva e histórica de Juiz de Fora, na qual inscrevemos medos, esperanças e utopias para construir a cidade que nos habita na cidade que habitamos.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Linhas de sombra


© RICARDO CRISTOFARO
Legendas fotográficas para a cidade em desaparição

Fernando Fiorese

I. Acro-térion

Em grego, cidade acopla Mãe, ser da desmesura: metrópolis = métra (útero, seio materno, matriz) + pólis (cidade, região habitada).
Na modernidade, o étimo delira até os limites do Pai: métron (medida, regra, lei).
Os sonhos da razão produzem órfãos.
Quatro acrotérios sustentam o céu da cidade. Equilíbro delicado: evite mover o olho, o pássaro, o joelho da estátua. Qualquer mudança de ângulo, um pequeno apocalipse.
O homem é a desmedida de todas as cidades.
Acrotério, cautério, necrotério: três palavras dialogam em mistério.
Les morts vont vite. Restam as cicatrizes no corpo da cidade, as rubricas da personagem morta no primeiro ato.
Mistério, do grego mys-térion — talvez “o lugar do rato”, a roer as rodas do tempo, as colunas do espaço.
Da paisagem escreverei a epígrafe ou o epitáfio?

filactério

Je suis un éphémère et point trop mécontent citoyen d’une métropole crue moderrne, parce que tout goût connu a été éludé dans les ameublements et l’extérieur des maisons aussi bien que dans le plan de la ville.

Jean-Arthur Rimbaud
Illuminations


II. Camera lucida

Eis o olho fotográfico, armado de morte e memória.
Na mecânica do olho, a inércia responde pelo movimento, a dinâmica, pela cegueira. Apenas a repetição ensina o olhar.
A cidade prolifera em velo-signos até caber num ponto cego.
Deserto o local do crime, iluminar os pormenores, polir os ossos do cadavre exquis.
Toda memória é fotográfica: rasura do que foi, fatura do que deveria ser.
A câmera como eclipse que dá a ver, como cemitério onde repousa o produto da digestão de Chrónos. 
Portáteis e móveis, as formas iludem o olho e os limites. Mais que a miniatura, sabem impor um horizonte próprio. Mais que a metamorfose, sabem o jogo do símil na diferença.

filactério

La città è ridondante: si ripete perché qualcosa arrivi a fissarsi nella mente.
[...] La memoria è ridondante: ripete i segni perché la città cominci a esistere.

Italo Calvino
Le città invisibili


III. Spielen

Brinquedo é quando deriva o curso da matéria, quando a forma abraça o menino, quando a cidade se torna luz balão.
Trata-se de brincar até o desmantelo da função. Apenas o acidente conserta o brinquedo.
Trata-se de representar até o desmonte da ilusão. Apenas o artifício descarna a imagem das demasias do acabado.
Círculo, quadrado, triângulo. Haverá brinquedo que desconheça essa sucessão de eternidades? Haverá menino que não saiba os seus avessos?
O poeta procura o radical comum de passado e passagem. O menino encontra no Apocalipse a letra do Gênesis. Ambos sonham uma casa em contínua construção.
lições do hóspede sem pressa:
1. Equilibrar-se na linha de visão para escavar o céu, mesmo interditado pelas verticais.
2. Quando esplende a ruína, desviar a mão para a linha de sombra.
3. Colocar a cidade na bagagem ou na caixa de brinquedos.

filactério

Talvez seja esta a raiz mais profunda do duplo sentido da palavra alemã Spielen (brincar e representar): repetir o mesmo seria seu elemento comum. A essência da representação, como da brincadeira, não é “fazer como se”, mas “fazer sempre de novo”...

Walter Benjamin
“Brinquedo e brincadeira”

 Publicado originalmente em
Acroterium (2007),
de Ricardo Cristofaro
Funalfa Edições
Site de Ricardo Cristofaro:


quarta-feira, 1 de agosto de 2012

[Do livro "Vertov: o homem e sua câmera"]


 
SEIS BOBINAS PARA DZIGA VERTOV [1]

Fernando Fiorese

Ao Carlos Pernisa Júnior,
que dividiu comigo a solidão e o assombro
de uma sessão d’O homem da câmera.


O Caos não tem imagem. Impossível imitar, representar, desenhar, pintar, fotografar, filmar o que está aquém ou além do tempo e do espaço, das medidas e das formas, da palavra e do número. Toda imagem é um duplo fácil e menor do Cosmos – e realizá-la repete, em versão abreviada ou caricata, a própria cosmogonia. Porque produzir uma imagem participa dos modos de ordenar, de mensurar, de formar as coisas do mundo, de eleger – seja por método, afeto ou acaso – aquelas que figuram uma antologia pessoal de seres e objetos, um bricolage de natureza e artifício. Para tanto, necessário armar o olho de artes e ciências raras: a química dos calendários, a decupagem do devir, a física do fora-de-campo, a fisiologia das metamorfoses, a ótica do duplo-cego e do vidente.

O tempo está fora dos gonzos. 
William Shakespeare [2]

Ó Sol, é tempo da Razão ardente...
Guillaume Apollinaire [3]

A epiderme humana das coisas, a derme da realidade,
eis com o que o cinema joga em primeiro lugar. 
Antonin Artaud [4]


Dziga Vertov = Perpetuum mobile. Não basta maquinar um outro nome, urge fazê-lo funcionar, estar à altura de suas operações e utopias, vestir o corpo que o signo dispõe e aciona. E eis que o verbo – Denis Abramovich Kaufman – se fez motor – Dziga Vertov, essa ficção que é toda uma máquina nômade, todo um regime escópico, toda uma música concreta – e ainda toda uma cinematografia. Porque quando a História se torna apêndice do Caos – ainda que seja apenas o pequeno caos dos movimentos da metrópole e das forças do humano, demasiado humano –, é preciso um olho mecânico para arranjar o acaso, para colocar número na tempestade, para pitagorizar o devenir fou e engrenar outros outubros. Na janela do caos, exsurge o homem elétrico e futuro: periscópio + rodas + hélice. No desvio para o vermelho, acrescenta-se a máquina ao músculo.

De corpos ao acaso lançados o mais belo arranjo, o cosmos. 
Heráclito [5]

… menos que nunca a simples reprodução da realidade
consegue dizer algo sobre a realidade. [...]
A verdadeira realidade transformou-se na realidade funcional.
As relações humanas, reificadas – numa fábrica, por exemplo –,
não mais se manifestam. É preciso, pois, construir alguma coisa,
algo de artificial, de fabricado.
Bertolt Brecht [6]


A guerra de todas as coisas é pai, de todas as coisas também rei [7]. A verdade não está na matéria nem na idéia, não está na substância nem no acidente, não está na coisa nem no signo, não está no aparelho nem na natura, não está no indivíduo nem na multidão. A verdade está no pólemos (= choque, combate, guerra), no agón (= jogo, luta, perigo), naquele instante fugaz em que as espadas se tocam e iluminam-se os rostos dos esgrimistas e afirmam-se as suas forças nobres e adversativas num duelo sem fim ou princípio. Nunca está finda a partida quando se trata de adentrar a vida sem roteiro, de acolher o caos que o acaso tem dentro. Nunca está finda a partida quando desdobram-se as alegrias e os paradoxos do número na montagem de corpos, espaços e tempos. Porque, para o olho armado do flâneur, o número é ordem e devir, Pitágoras + Heráclito.

O prazer de estar nas multidões é
uma expressão misteriosa do gozo da multiplicação do número.
Tudo é número. O número está em tudo.
O número está no indivíduo. A embriaguez é um número.
Charles Baudelaire [8]

As máquinas, filhas do homem, e que não têm mãe...
Guillaume Apollinaire [9]


... um cinema pronto a explodir nas nossas mãos... [10] Dziga Vertov dispõe de outros nomes: 1) Guillaume Apollinaire, quando introduz a verdade do cinema na verdade da vida, ou cine-glosa/cine-glaza/cine-gama o acaso objetivo dos encontros, ou geometriza poemas-conversas com imagens alheias, ou dá curto-circuito nos eixos do espaço-tempo; 2) Buster Keaton, quando desconstrói o kinoapparatom, ou apura as engrenagens do corpo com precisão de mecânico, ou prolifera a alegria cool dos disparates, ou caminha com o ciclone e a locomotiva; 3) Velimir Khlébnikov, quando homem de números (ao invés de homem de letras) multiplica-se por zero, ou toma a tabuada da história, ou calcula as leis do tempo conforme os intervalos, ou transvê o homem futuro [11].

... Piedade para nós que sempre combatemos nas fronteiras
Do ilimitado e do futuro... 
Guillaume Apollinaire [12]

Transvejo através de vós, Números.
E vos vejo vestidos de animais, suas peles,
calmos encostados em carvalhos caídos.
Vós nos ofertais uma dádiva: a unidade entre o serpemóvel
da coluna cósmica e a longe Libra
bailarina. Vós nos ajudais a ver os séculos num fulgor
ridente. Vejo meus olhos sequi-sábios
se abrirem para desvelar
o que Eu
será
quando seu dividendo for um. 
Velimir Khlébnikov [13]


Fábrica de filmes vs. Fábrica de Fatos. Lumière com n cabeças de Méliès. Méliès com n olhos de Lumière. O cinema-feito sendo desfeito, contra-feito. O cinema-por-fazer sendo feito. Ao invés da máscara, a metamorfose ambulante de objetos, corpos, cidades. Ao invés do roteiro, “todas as rodas do mundo rodando desde o começo da roda até a consumação final dos tempos rodando, rodando” (Murilo Mendes) [14]. Ao invés de filmes, o difícil feito de fabricar os fatos, de fac-similar a vida como ela é, sem os fósseis da ficção, sem colocar uniforme nos olhos, sem fardar a imagem com a palavra ou mudá-la ex officio em animal doméstico. Ao invés da mise-en-scène, a mise-en-abyme de pontos, linhas, superfícies, volumes. Ao invés do espelho, o espéculo que não apenas olha dentro a carne do real, também dá a ver as rodas dentadas da sua história.

Há dois modos de conceber o cinema do real:
o primeiro é pretender dar a ver o real;
o segundo é colocar-se o problema do real.
Da mesma forma, havia dois modos de conceber o cinema-verdade.
A primeira era pretender portar a verdade.
A segunda era colocar-se o problema da verdade. 
Edgar Morin [15]


Então o cinema pode ser chamado cinema-verdade,
uma vez que tenha destruído qualquer modelo da verdade
para tornar-se criador, produtor de verdade:
não será um cinema da verdade, mas a verdade do cinema. 
Gilles Deleuze [16]


Horizontes portáteis, um catálogo: 1) o copião das contracenas da história; 2) um jogo de enredar-se nas linhas do tempo, outro de perder-se na cidade; 3) a coleção dos Diálogos de Platão com marginalia de Nietzsche; 4) uma antologia dos trabalhos, dos dias e dos mortos; 5) três tomadas do céu do verão de 1928 em Odessa; 6) um Golem movido a vapor; 7) a biografia da multidão escrita por ela mesma; 8) uma série infinita de matrioshkas; 9) as palavras de ordem: necessidade – precisão – velocidade; 10) um caderno com a tabuada do uno e do múltiplo. Acrescente-se os diários das viagens aventurosas entre Metrópolis e Utopia, ilustrados por fotomontagens de Rodchenko e pelas machines ironiques de Picabia. E tendo por epígrafe um breve excerto do jovem Marx: “A educação dos cinco sentidos é trabalho de toda a história universal até agora” [17].

Então Ele pensou em fazer uma imagem móvel da Eternidade e,
ao mesmo tempo em que organizava o céu,
fez da Eternidade que permanece na unidade
esta imagem eterna que progride conforme o número,
e que chamamos Tempo.
Platão [18]

Assim o enamorado da vida universal penetra na multidão
como num imenso reservatório de eletricidade.
Charles Baudelaire [19]

Ao Norte ao Sul
Zênite Nadir
E os altos brados do Leste
O Oceano se alarga para o Oeste
A Torre à Roda
Se destina
Guillaume Apollinaire [20]


Notas

[1] Todos os excertos citados foram traduzidos pelo autor, exceto quando houver indicação em contrário.
[2] SHAKESPEARE, William. Hamlet, act I, scene 5. Harmondsworth : Penguin, 1996.
[3] Apollinaire, Guillaume. Œuvres poétiques. Paris : Gallimard, 1959, p. 314.
[4] ARTAUD, Antonin. Œuvres complètes, t. III. Paris : Gallimard, 1978, p. 19.
[5] HERÁCLITO, fr. 124.
[6] Apud BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sergio Paulo Rouanet. São Paulo : Brasiliense, 1985, p. 106.
[7] Heráclito, fr. 53.
[8] BAUDELAIRE, Charles. Œuvres complètes. Paris : Gallimard, 1961, p. 1189.
[9] Apollinaire, Guillaume. Œuvres en prose complètes, t. II. Paris : Gallimard, 1991, p. 949.
[10] ROUCH, Jean. Cinq regards sur Dziga Vertov. In: SADOUL, Georges. Dziga Vertov. Paris : Éditions Champ Libre, 1971, p. 13.
[11] Não por acaso, também estes vestiram outros nomes: 1) Guglielmo Alberto Dulcigni ou Guillelmus Apollinaris Albertus de Kostrowitsky ou Wilhelm Albert Vladimir Apollinaire de Kostrowitsky ou Wilhelm Kostrowitzky; 2) Joseph Frank Keaton Junior; 3) Victor Vladimirovic Khlébnikov.
[12] Apollinaire, Guillaume. Œuvres poétiques. Paris : Gallimard, 1959, p. 314.
[13] Khlebnikov, Velimir. Collected works of Velimir Khlebnikov: selected poems. Trad. Paul Schmidt. Cambridge : Harvard University Press, 1998, p. 39.
O autor agradece a inestimável colaboração da libriana Angie Miranda Antunes na tradução do inglês ao português do poema “Números”, de Khlébnikov, embora os eventuais equívocos sejam responsabilidade exclusiva daquele.
[14] MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro : Nova Aguilar, 1994, p. 736.
[15] MORIN, Edgar. Cinéma et vérité, préambule au festival Cinéma du réel, prononcé à Beaubourg. Paris, 1980.
[16] DELEUZE, Gilles. L’image-temps. Paris : Éd. Minuit, 1985, p. 197.
[17] Apud CAMPOS, Haroldo de. A educação dos cinco sentidos. São Paulo : Brasiliense, 1985, p. 5.
[18] PLATÃO. Timeu, 37d.
[19] BAUDELAIRE, Charles. Œuvres complètes. Paris : Gallimard, 1961, p. 1161.
[20] Apollinaire, Guillaume. Œuvres poétiques. Paris : Gallimard, 1959, p. 200.


Nota do autor. Escrito sob o signo do seis, número mágico e erótico (no sentido que os antigos gregos atribuíam a Eros), o presente texto é uma homenagem ao filme de seis bobinas O homem da câmera (Chelovek s kinoapparatom, 1929), de Dziga Vertov. Trata-se de uma montagem que brinca – no mais das vezes ao acaso, mas sem descurar das artimanhas do cálculo – com alguns dos arithmoi pitagóricos, na medida em que acolhe, aos pares ou em trincas, excertos que atraem/repelem os artigos e manifestos de Vertov. Tanto esses escritos do kinok russo quanto outros muitos de autores não referidos são fantasmas a serem desvelados pelo leitor, como um convite à decupagem de uma escrita tensionada entre o registro aleatório de seu próprio movimento, a precária simulação da montagem vertoviana e as rubricas rudimentares de diálogos imaginários.

Publicado originalmente no livro
Vertov: o homem e sua câmera (2009)
organizado por Carlos Pernisa Júnior 
Editora Mauad X