sexta-feira, 20 de março de 2015

LEGENDA PARA AS TANTAS FOTOGRAFIAS DE HUMBERTO NICOLINE



[Leia Breviário
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Publicado no catálogo da exposição Olhares imersos,
de Humberto Nicoline
(Museu de Arte Murilo Mendes, Juiz de Fora, dez. 2014)

Humberto Nicoline, por Fernando Barbosa

Fernando Fiorese

Nestas tantas fotografias, nenhuma falta. Cada qual inteira, como qualquer mundo em miniatura. Durável, como o rabisco do primeiro relâmpago na memória. Portátil, como um livro antes da leitura. Nenhum excesso. Aqui, o cúmulo encontra o seu grau zero. Personagens, bichos, objetos, paisagens, acontecimentos: cada coisa um seu lugar. Pode-se desdobrar os possíveis dos acidentes, acarinhar os bichos mais arredios, tocar as máscaras das personagens, arrastar o horizonte da paisagem, surpreender os objetos em si – esses outros esquecidos.  O que falta falta ao real, pois o tempo o fez perder: a totalidade. O real que continua sem a fotografia não é menos instantâneo e fragmentário. Decerto mais urgente, mais casual, mais desarrumado, mais famélico, mais mortal. Analogon da desejada e impossível morte feliz, a fotografia faz iguais o minúsculo e o monstruoso, coloca o tempo e a matéria na medida do homem, abre um mundo nos arredores da infância ou da utopia, rubrica os pés bailarinos, céleres e casuais do devir. Sem gambiarras ou manobras químicas, o olho-máquina de Humberto Nicoline sabe mudar o fragmento em cosmos, o instantâneo em pequena eternidade, a mecânica em memória. Porque se a máquina recorta o espaço, seus limites, cumpre ao olho surpreender, com obstinado rigor, o tempo justo e preciso em que o acaso encontra o mais belo arranjo das coisas e dos corpos. Assim o fotógrafo nos oferta o repertório de agoras que dá sentido à biografia de cada um e à história de todos nós.

Juiz de Fora, inverno de 2014

Fotografias de Humberto Nicoline







JF anos 80: fotografias, de Humberto Nicoline
(Juiz de Fora: Funalfa, 2009)