Fernando Fiorese
“Deus está morto! Deus continua
morto! E nós o matamos!” Diante do grito trágico do Louco de Nietzsche, o fardo dos que creem é mais pesado. Porque
acumula em si, a um só tempo, a realização do trabalho de luto e a expiação da
culpa pelo assassínio. Sob o signo deste duplo pesar, Fernando Dusi Rocha opera
nos poemas deste Crisol com açúcar os
paradoxos e os paroxismos da condição humana, demasiado humana, face ao
“desterro sem data de Deus”. Não como um lírico religioso marcado pela fé
inabalável e pela esperança de salvação, mas como um poeta, de tal forma
“emburrado com a eternidade” que desistiu “de ser profeta de homens / ... e de
esperar pelo / batismo que nunca chega”. Não há mesmo como afirmar a poesia como
análogon da profecia “entre escombros
da criação”, no “paraíso dissoluto incompreensível”, uma vez que o êxtase
prosaico vigora sobre a transcendência e o canto deste “luto despudoradamente
humano” não é mais que “um zumbido do silêncio de Deus”, anunciando “o paradoxo
sem paradoxo do mundo”. Ao poeta cumpre entregar-se nu às verdades desveladas
pela queda profana e vulgar que nos coube: “Até que chegue sobre mim / o
negrume de uma asa. Asa de águia ou de anjo / uma aspa em ebulição a permitir-me
acreditar / no dia do sagrado e no irrompimento de Deus”. Embora o açúcar seja
aqui não mais que um gracejo, este crisol de Fernando Dusi Rocha não acolhe
apenas o agón da morte de Deus, mas
também mistura e apura exemplares de uma lírica erótico-amorosa muitas vezes
insólita e despudorada, exercícios de metalinguagem que revelam o seu vasto
repertório artístico-literário e memórias da infância mineira, sempre com toques
de humor negro.
Orelha do livro
Crisol com açúcar (2011), de Fernando Dusi Rocha
Editora 7Letras
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