quinta-feira, 23 de agosto de 2012

[Da série “Plano estratégico de Juiz de Fora”, 05]


Série de nove crônicas publicadas originalmente no jornal
Tribuna de Minas de maio a setembro de 2000,
por ocasião das comemorações dos 150 anos de Juiz de Fora.
CARRIÇO FILM
 
A cidade como signo

Fernando Fiorese

Em conversa recente, o poeta e amigo Edimilson de Almeida Pereira me dizia: “Não sei se amo esta cidade, sei apenas que, cada vez mais, ela me interessa como signo”. E haverá outra forma, mais vertical e delicada, de amar uma cidade? Atenção e cuidado, embora sem desconhecer a crítica. Um sentimento que se realiza na “distância amorosa” (feliz expressão de Roland Barthes) e nos vários poemas que, em Águas de contendas (vencedor do Concurso Nacional de Poesia “Helena Kolody”, 1997), Edimilson dedica à leitura afetiva da cidade. Uma poética topográfica, exemplo cabal de que, mesmo secretamente, empenham-se os artistas locais em dar a ver a Juiz de Fora dos nossos medos e alumbramentos, das nossas esperanças e ilusões perdidas.
Nas páginas de Águas de contendas, o registro de personagens e lugares, datas e paisagens, nos quais apenas o olhar do poeta pode surpreender a manifestação da cidade plural que habitamos. Ali estão o Caminho Novo e os descaminhos do Shangai, a geometria rasurada do painel de Portinari e a chama da igreja do Rosário, as imagens do centro produzida pela Neo-Carriço Films e os arrabaldes do presente e do passado. Todas as cidades, a cidade. Talvez mais do que as obras anteriores de Edimilson, Águas de contendas demonstre a eleição afetiva de Juiz de Fora como signo poético a ser decifrado, especulado, desdobrado.
Decerto tal atitude pode ser encontrada na memorialística de Pedro Nava e Rachel Jardim, na poesia de Murilo Mendes e Affonso Romano de Sant’Anna. Mas a estes foi necessária a distância física e sentimental, enquanto uma nova geração, representada não apenas por Edimilson, mas também por Iacyr Anderson Freitas e Marta Gonçalves, dentre outros, ainda insiste em habitar a Juiz de Fora concreta e presente para criar as imagens e textos que nos permitam, nos desvãos das palavras, encontrar as figuras, tempos e espaços que constituem a nossa pequena história pessoal.          
Embora poucos saibam ou reconheçam, as obras destes poetas tornou Juiz de Fora conhecida em Minas, no Brasil e no exterior como a cidade onde se produz uma poesia das mais importantes e vigorosas da atualidade. Não por acaso, embora poucos saibam ou reconheçam, a crítica especializada e o meio acadêmico cada vez mais se debruçam sobre a obra destes poetas. Pena que, dentre os que não sabem ou não reconhecem, estejam principalmente as instituições públicas e privadas locais.
Enquanto Porto Alegre, Rio de Janeiro e Curitiba criam coleções de livros que procuram tornar visíveis tais cidades, aqui desperdiçamos a imagem que, ao longo de 150 anos, silenciosa e arduamente, poetas, escritores, artistas plásticos, fotógrafos e dramaturgos construíram de e para Juiz de Fora. Tais imagens, textos e encenações são elementos fundamentais para nos reconhecermos e sermos reconhecidos. Apenas quando essas obras se tornarem um patrimônio coletivo, Juiz de Fora será capaz de traçar as estratégias que concretizem em ruas, parques, pontes e construções a cidade que imaginamos, que desejamos.

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