Série de nove crônicas publicadas
originalmente no jornal
Tribuna de Minas de maio a setembro de 2000,
por ocasião das comemorações dos 150
anos de Juiz de Fora.
COLÔNIA D. PEDRO II (1872) |
Olhar estrangeiro
Fernando Fiorese
A
implantação da fábrica da Mercedes Benz em Juiz de Fora muito nos ensina acerca
das relações que o poder público estabelece com a história e a cultura da
cidade. As comunidades de São Pedro e Borboleta, que procuravam a duras penas
manter os resquícios de sua origem germânica, de repente se tornaram referência
obrigatória para a concretização dos interesses econômicos e políticos
definidos pela prefeitura e pelo estado. Bairros que durante anos foram
mantidos à margem das benesses da urbanização, de repente têm reconhecido o seu
papel central na formação da cidade. De repente, o poder público reconhece as
raízes alemãs de Juiz de Fora.
Mas
onde estava a municipalidade enquanto importantes monumentos arquitetônicos
destas comunidades eram demolidos? Onde estava a municipalidade enquanto, por
absoluta falta de apoio, os grupos de dança folclórica tinham suas atividades
interrompidas durante longos períodos? Onde estava a municipalidade enquanto
documentos escritos e fotográficos eram devorados pelo tempo? Onde estava a
municipalidade enquanto a memória e a dignidade das famílias se perdiam nas
ruas sem infraestrutura básica? Onde estava a municipalidade enquanto, diante
do avanço da cultura midiática, foram-se apequenando as manifestações genuínas
destas comunidades? Onde está a municipalidade que não providencia o registro
da história oral dos últimos imigrantes alemães, se ainda vivos?
Enquanto
os discursos oficiais acerca do Plano Estratégico da Prefeitura Municipal nos
informam que assim Juiz de Fora se coloca ao lado das cidades do Primeiro
Mundo, esquecem-se de dizer que nestas a questão da identidade histórica e
cultural das comunidades há muito tem merecido investimentos maciços. São
cidades onde cada habitante se reconhece, porque o poder público soube
respeitar as diferenças culturais, preservar o patrimônio histórico,
democratizar o acesso aos bens e serviços urbanos, acolher as diversas heranças
dos povos que as fundaram.
A
identidade histórica e cultural das comunidades locais não pode estar subordinada
aos objetivos econômicos e políticos dos detentores do poder, sob pena de,
assim que tais interesses se realizem, as referências que fundam e singularizam
a cidade serem diluídas ou folclorizadas – quando não conduzidas à posição
marginal que ocupavam originalmente. O resgate e a preservação da nossa
memória, como fundamento da construção da identidade cultural de Juiz de Fora,
não podem ficar à mercê de circunstâncias tão fortuitas e casuais quanto a
implantação de uma empresa estrangeira.
Também
a valorização de nossas raízes italiana, portuguesa, síria, africana, espanhola
e libanesa dependerá do advento de interesses em torno de investimentos externos?
Então, que no tal Plano Estratégico seja prevista a atração de empresas desses
países. Talvez assim, auxiliados pelo olhar estrangeiro, as instituições
públicas e privadas de Juiz de Fora sejam capazes de reconhecer a cidade onde
estão localizadas, a face dos habitantes que as sustentam e justificam.
CERVEJARIA GERMANIA, ÁLBUM DO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA (ALBINO ESTEVES, 1915) Arquivo de Marcelo Lemos |
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