domingo, 2 de setembro de 2012

[Da série “Plano estratégico de Juiz de Fora”, 08]


Série de nove crônicas publicadas originalmente no jornal
Tribuna de Minas de maio a setembro de 2000,
por ocasião das comemorações dos 150 anos de Juiz de Fora.

PUNKS NAS PROXIMIDADES DO BAR REDENTOR, RUA ESPÍRITO SANTO COM AVENIDA RIO BRANCO (FOTO DE HUMBERTO NICOLINE, AGOSTO DE 1983)
 

 Memórias apócrifas

Fernando Fiorese

Lembro-me das matinês de domingo no Cine Pálace, com refrigerante e pipoca.
Lembro-me dos bondes, de quando os ônibus tinha nomes e não números, e eu ia para o Colégio João XXIII no Alvorada.
Lembro-me das famílias nas galerias do centro, a ver vitrines para esquecer que era domingo.
Lembro-me de um mendigo com a dignidade dos clochards parisienses na esquina da Batista com a Independência.
Lembro-me dos hippies no Parque Halfeld e dos punks nas proximidades do Bar Redentor.
Lembro-me da demolição do Stella Matutina, da Halfeld antes do Calçadão, da avenida Rio Branco antes do Mello Reis.
Lembro-me da primeira e da última sessão do Cine Paraíso, do Braseiro, do Bebel, do Danúbio Azul, do Hotel Mauá, do Bar Brasil, da Henrique Vaz.
Lembro-me de um crepúsculo na Praça do Cruzeiro e de outro ainda, descrito por um amigo, na margem esquerda do Paraibuna.
Lembro-me dos Domingos Culturais e dos sábados com Som Aberto no campus da Universidade.
Lembro-me do comício das Diretas-Já na Praça da Estação, da passeata pelo tombamento da Fábrica Bernardo Mascarenhas, dos varais de poesia em frente ao Cine-Theatro Central, da expulsão do Grupo Tá na Rua, das greves estudantis.
Lembro-me do suplemento literário do Diário Mercantil e da expectativa em torno do primeiro número da Tribuna de Minas.
Lembro-me da exibição de filmes no Anfiteatro João Carriço, de um Festival Glauber Rocha no Cine São Luiz, das semanas culturais da Academia e do Magister, da Livraria Espaço Cultural, do Bar do DCE.
Não são apenas minhas estas pequenas memórias. Em nenhum dos acontecimentos evocados figurei como protagonista, em alguns poucos exerci um papel secundário, casual; na maioria, fui um observador atento, um ouvinte contumaz, um leitor empenhado. Na verdade, minha vida civil começou muito tardiamente. Tenho a memória comum a todos os comuns, não a dos grandes homens, dos grandes feitos, que precisam ser gravados nas placas dos logradouros para que não caiam no esquecimento.
Em algumas cidades brasileiras, com o apoio de instituições públicas e privadas, essas memórias miúdas são transformadas em livros, álbuns de fotografia, peças de teatro, obras plásticas... São municípios que compreenderam que a cultura e a arte são fundamentais na constituição de uma imagem da cidade, a qual, quando bem elaborada e acolhida pelos cidadãos, funciona como fator de atração de eventos, recursos e turistas. Trata-se de um investimento no imaginário, de uma estratégia de visibilidade que conforma a visão que, tanto os seus habitantes quanto os estrangeiros, têm da cidade.

2 comentários:

  1. O que dizer? lembro de tudo isso tb, e fico triste com o episódio da demolição do Stella. Acrescento a demolição da 'Casa do Bispo', cara a mim por ter brincado tanto em seus jardins... Hoje, em seu lugar, vejo um edifício alto (mais um) e digo aos meus filhos que brincava ali quando criança... Eles olham pra mim e dizem, com ar de impaciência: "tá papai, tá!"

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  2. =) Pois é... Esses textos estão esplêndidos! Tocam em pontos nevrálgicos do esquecimento de Juiz de Fora. Gostaria de eu ter dito tudo isso, embora eu não tenha tanta memória assim... Sou carioca, mas como residente que fui em Juiz de Fora, por pelo menos 20 anos, sempre senti falta da cidade apreciar-se em ambiente e história. Era difícil ouvir um juizdeforano falar bonito assim, com o coração, como nesses textos. Muito menos com orgulho da cidade. E isso é o q mais me entristecia de perceber na alma da cidade, ou melhor, na de seus cidadãos.Por muito tempo o q eu amei em JF foram meus amigos e bastava, depois foi a vista do mar de morros do Mirante (que da última vez q visitei estava em total abandono). Vejo q a preocupação é construir predinhos. Não há espaço para praças, espaços de convivência, ciclovias, mirantes... melhorias ao longo do rio q serpenteia a cidade. EU NÃO SEI, MAS GOSTARIA DE SABER, por que e onde desembestou essa cultura de não preservar e de não lembrar a cultura e os acontecimentos de Juiz de Fora...Fazer isso écultivar desamor pelo próprio patrimônio imaterial e material. É o mesmo q dizer q, em geral, os cidadãos juizforanos não dão valor a si, à sua origem. Deveria haver uma GRANDE campanha educacional, promovida pela PREFEITURA. Deveria partir das escolas municipais passear com os pequenos por locais históricos q ainda existem. Celebrar os valores multiculturais e étnicos, formadores de sua cidade, ensinar mais dessa história regional/local (festas religiosas, folguedos,informar acontecimentos relativos ao cinema, teatro, música, literatura envolvendo seus cidadãos!)... Quem sabe os pequenos ensinariam aos seus pais. Se não for fazer isso pelo valor altamente simbólico para a formação de sua identidade e pertencimento, fazê-lo pelo valor econômico! Afinal, como bem diz Fiorese,a memória pode trazer dividendos para a cidade! "a cultura e a arte são fundamentais na constituição de uma imagem da cidade, a qual, quando bem elaborada e acolhida pelos cidadãos, funciona como fator de atração de eventos, recursos e turistas."

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