Série de nove crônicas publicadas
originalmente no jornal
Tribuna de Minas de maio a setembro de 2000,
por ocasião das comemorações dos 150
anos de Juiz de Fora.
COMPANHIA TÊXTIL BERNARDO MASCARENHAS, 1888 |
Uma outra Minas
Fernando Fiorese
Se
Minas são muitas, conforme o sintagma que se cristalizou a partir das palavras
de João Guimarães Rosa, Juiz de Fora é outra Minas. Mas qual? Poucas vezes se
explicita esta pergunta, conquanto seja ela fundamental para realizarmos a
cidade como lugar de habitação. Indiferentes à cidade, nos envergonhamos de ser
diferentes. Face às óbvias dificuldades de identificação com a Minas barroca e
colonial, com a Minas do Grande Sertão, com a Minas do erre apaulistado, preferimos a não-identidade, mineiramente ocultos
atrás do espelho. Enclausurados entre a Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira,
não podemos o litoral e insistimos num olhar blasé em relação ao nosso horizonte.
Não
se trata de amar incondicionalmente a cidade, mas de ser capaz de decifrar nas
ruas e praças, nos edifícios e pontes, nas galerias e esquinas, os registros de
uma outra Minas. E mesmo evitando a nossa singularidade, a nossa face, ela se
afirma. Não por acaso, ao organizar a antologia sobre Minas Gerais na Coleção Brasil, terra & alma (Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1967), o poeta
Carlos Drummond de Andrade não se esqueceu desta outra Minas: a Minas do
Caminho Novo, assombrada por facínoras; a Minas dos piqueniques do Imperador e
dos passeios de Getúlio Vargas; a Minas da União e Indústria, a primeira
estrada carroçável do Brasil; a Minas dos escravos e do café; a Minas das
chácaras idílicas louvadas por Manuel Bandeira; a Minas do cinema pioneiro de
João Carriço; a Minas elétrica, industrial, moderna.
Quais
dentre nós seremos capazes de ler na cena de Juiz de Fora a cidade na vanguarda
do processo de industrialização? Onde a memória da urbs febril e fabril das primeiras décadas do século XX? Quem os
atores no palco expressionista do trabalho nas fábricas e dos embates das
greves operárias? Por que os cidadãos de Juiz de Fora insistem em desviar o
olhar do espelho partido da modernidade, negando a face que se desfaz e se
refaz à revelia do nosso esquecimento? Quando seremos capazes de afirmar a
nossa singularidade? Nem barroca nem sertaneja, mas a Minas urbana,
industrial, fronteira entre o mar e o interior, entre a tradição e a
modernidade, entre o passado colonial e as promessas do império e da
civilização.
Como
nos será possível o horizonte da pós-modernidade sem que tenhamos assumido o
moderno que funda e realiza esta outra Minas? Como elaborar estratégias de
habitar se incapazes de ler na cena da cidade a modernidade e os paradoxos para
os quais ela nos destinou? Afirmar Juiz de Fora como cidade moderna não é
apenas reconhecer o tempo originário da cidade, mas principalmente capacitar os
cidadãos para o enfrentamento das contradições e desafios que a sua história
singular propõe. À impossibilidade de leitura da cidade – textos rasurados,
imagens desfocadas, imaginário oculto, memória em ruínas – os habitantes
respondem com o temor e a paralisia de quem se defronta com o Minotauro, ou
então se refugiam nas margens do presente, analfabetos de si e da história.
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