Série de nove crônicas publicadas
originalmente no jornal
Tribuna de Minas de maio a setembro de 2000,
por ocasião das comemorações dos 150
anos de Juiz de Fora.
CARRIÇO FILM |
A cidade como signo
Fernando Fiorese
Em
conversa recente, o poeta e amigo Edimilson de Almeida Pereira me dizia: “Não
sei se amo esta cidade, sei apenas que, cada vez mais, ela me interessa como signo”.
E haverá outra forma, mais vertical e delicada, de amar uma cidade? Atenção e
cuidado, embora sem desconhecer a crítica. Um sentimento que se realiza na
“distância amorosa” (feliz expressão de Roland Barthes) e nos vários poemas
que, em Águas de contendas (vencedor
do Concurso Nacional de Poesia “Helena Kolody”, 1997), Edimilson dedica à
leitura afetiva da cidade. Uma poética topográfica, exemplo cabal de que, mesmo
secretamente, empenham-se os artistas locais em dar a ver a Juiz de Fora dos
nossos medos e alumbramentos, das nossas esperanças e ilusões perdidas.
Nas
páginas de Águas de contendas, o
registro de personagens e lugares, datas e paisagens, nos quais apenas o olhar
do poeta pode surpreender a manifestação da cidade plural que habitamos. Ali
estão o Caminho Novo e os descaminhos do Shangai, a geometria rasurada do
painel de Portinari e a chama da igreja do Rosário, as imagens do centro
produzida pela Neo-Carriço Films e os arrabaldes do presente e do passado. Todas
as cidades, a cidade. Talvez mais do que as obras anteriores de Edimilson, Águas de contendas demonstre a eleição
afetiva de Juiz de Fora como signo poético a ser decifrado, especulado,
desdobrado.
Decerto
tal atitude pode ser encontrada na memorialística de Pedro Nava e Rachel
Jardim, na poesia de Murilo Mendes e Affonso Romano de Sant’Anna. Mas a estes
foi necessária a distância física e sentimental, enquanto uma nova geração,
representada não apenas por Edimilson, mas também por Iacyr Anderson Freitas e
Marta Gonçalves, dentre outros, ainda insiste em habitar a Juiz de Fora
concreta e presente para criar as imagens e textos que nos permitam, nos
desvãos das palavras, encontrar as figuras, tempos e espaços que constituem a
nossa pequena história pessoal.
Embora
poucos saibam ou reconheçam, as obras destes poetas tornou Juiz de Fora
conhecida em Minas, no Brasil e no exterior como a cidade onde se produz uma
poesia das mais importantes e vigorosas da atualidade. Não por acaso, embora
poucos saibam ou reconheçam, a crítica especializada e o meio acadêmico cada
vez mais se debruçam sobre a obra destes poetas. Pena que, dentre os que não
sabem ou não reconhecem, estejam principalmente as instituições públicas e
privadas locais.
Enquanto
Porto Alegre, Rio de Janeiro e Curitiba criam coleções de livros que procuram
tornar visíveis tais cidades, aqui desperdiçamos a imagem que, ao longo de 150
anos, silenciosa e arduamente, poetas, escritores, artistas plásticos,
fotógrafos e dramaturgos construíram de e para Juiz de Fora. Tais imagens,
textos e encenações são elementos fundamentais para nos reconhecermos e sermos
reconhecidos. Apenas quando essas obras se tornarem um patrimônio coletivo,
Juiz de Fora será capaz de traçar as estratégias que concretizem em ruas,
parques, pontes e construções a cidade que imaginamos, que desejamos.
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