Série de nove crônicas publicadas
originalmente no jornal
Tribuna de Minas de maio a setembro de 2000,
por ocasião das comemorações dos 150
anos de Juiz de Fora.
AVENIDA DOS ANDRADAS, ANOS 1920 |
A pequena história
Fernando Fiorese
Há
alguns anos, um velho advogado da minha terra natal, Pirapetinga, publicou a
história da cidade do Rio do Peixe Branco, tradução do nome tupi do afluente do
Paraíba do Sul que corta o município e lhe empresta o topônimo. Convidado para
o lançamento e instado pelo próprio autor a comentar a obra, disse-lhe que, sem
desconsiderar o papel do livro na preservação da história oficial, desconhecia
a cidade cuja memória ali estava registrada. Não me reconhecia naquele acúmulo
de nomes de personalidades, políticos e líderes vários, nem era meu o tempo dos
acontecimentos relatados, nem encontrava a paisagem que habitara na infância.
Na
verdade, aquelas páginas recendendo a registro civil e atas públicas careciam
do vigor com que a memória e o imaginário recriam a história. Perguntei-lhe
onde estavam Sudário, o andarilho, Bastiana Trinta, a mendiga, Durvalino, o
carroceiro. E os leilões e bingos cantados por meu pai nas festas de Sant’Ana?
E os meninos tomando banho nas enchentes do Pirapetinga ou procurando um buraco
na lona do circo do palhaço Carequinha? E os bailes de debutantes, as gincanas
para as obras da igreja, o batismo dos crentes na Ponte Velha? Enfim, onde
estavam os personagens anônimos, os acontecimentos efêmeros, os lugares que,
mesmo desfigurados pelo tempo, são referências para toda a vida?
Mesmo
após repetidas leituras, o livro de Paulino de Oliveira sobre a história de
Juiz de Fora enseja impressões análogas. Não me perguntem sobre Batista de
Oliveira, Belfort Arantes ou Francisco Bernardino. Na Juiz de Fora que habito,
as ruas não têm nome, têm sentidos. Não me perguntem quais os fundadores da
Universidade ou o primeiro provedor da Santa Casa. Na Juiz de Fora que habito,
importa mais Isidoro da Flauta, o bêbado Amanajós e Ipólita, “a putain do fim da infância” de Murilo
Mendes. Não me perguntem sobre os grandes acontecimentos. Na Juiz de Fora que
habito, diz mais o relato do professor Adilson Zappa sobre uma sessão do Cine
Popular nos anos 1940.
Não
que se deva deixar às traças os documentos oficiais e a vida dos homens públicos.
Mas a história só tem sentido quando participa do nosso cotidiano, quando incorporada
pela nossa memória, quando capaz de nos fornecer referências para o presente.
Há muito os historiadores entenderam a necessidade de contrapor à história oficial
o relato fortuito dos operários, dos excluídos, dos marginalizados. Trata-se da
pequena história, construída por homens comuns e anônimos, iguais a todos nós
que não emprestaremos nomes a ruas, praças ou viadutos.
Aos
historiadores profissionais ou diletantes cumpre desvelar os múltiplos tempos
de Juiz de Fora, elegendo na memória e no imaginário dos cidadãos as
referências fundamentais para a habitação desta cidade. Apenas desta forma,
cada habitante se sentirá comprometido com a escrita da história de Juiz de
Fora, reconhecendo nas construções e paisagens o patrimônio dos seus afetos e
nas ruas os sentidos da trajetória de todos e de cada um.
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